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A Movida Madrilenha foi um movimento de contracultura surgido em finais de 1970 e inícios de ‘80, que mudou completamente o panorama sócio-cultural de uma Espanha que saía atrasada, fechada e retrógrada de 36 anos (1 de abril de 1939 — 20 de novembro de 1975) de um franquismo ultra-tradicionalista e ultra-catolicista, e que procurava agora uma nova identidade, forjada em liberdade, no período da Transição.
A Movida está intrínsecamente ligada à noite de Madrid, em especial em bairros como Malasaña. Novas sonoridades, a afirmação da vida noturna, o libertarianismo sexual, a irreverência, a moda inventiva, bem como o uso generalizado de drogas, pintam um cenário de enorme vontade de expressão desta geração — uma que se tornava adulta no primeiro período verdadeiramente livre desde que uma guerra civil cortou Espanha em duas, em 1936.
Na música, as influências estrangeiras de países como o Reino Unido — que trazia o New Wave — influenciaram a sonoridade do movimento, que foi também buscar ao punk, ao glam-pop, ao rock e ao new romantic; Alaska y los Pegamoides, Radio Futura, Nacha Pop, e tantos mais, estrearam formas de expressão musical inconcebíveis na Espanha da anterior década.
No cinema, Pedro Almodovar surge como o diretor rebelde, com os seus filmes provocadores e irreverentes, acabando por se cimentar como um dos grandes nomes da sétima arte. Na moda, Agatha Ruiz de la Prada encapsula as cores berrantes e padrões chamativos, e surgem novas maneiras de fotografar, pintar, e conceber a arte. Enfim, um movimento cultural completo, que nunca se reconheceu como tal. A Movida — que muitos afirmam ser menos esse tal “movimento” e mais uma comoção e entusiasmo espontâneos — é singular, única no panorama europeu, ou até mundial.
Esta explosão cultural revolucionou completamente uma sociedade cinzenta: a aceitação da Movida e dos jovens que a fizeram não foi consensual à época, e assim continua. Porém, até os excessos de então se vêem justificados como a reação natural a uma violentíssima repressão, que acabava repentinamente com a morte de Franco, sem golpe nem armas. Porém, o fim da Movida sentenciou-se quando a indústria tentou replicar o seu sucesso: tal como o Dadaísmo, a efemeridade do movimento atesta ao seu carácter genuíno, não-comercializável.
Ao comemorar 50 anos de uma liberdade que julgamos garantida, olhamos para o país irmão nesta edição comemorativa e resgatamos o que foi o seu grande movimento de liberação, tão espontâneo quanto a colocação de um cravo no cano de uma arma. A Movida foi isso, foi liberdade em fluxo contínuo e frenético, explosão de pensares e fazeres que dificilmente voltaram a ser replicados daí em diante; foi experimentação, coragem, ousadia, diversão, vontade de diversão.
Foi uma Espanha jovem, livre, nova, que se divertiu tanto e tão bem que a “movida” se perpetuou como sinónimo de efervescência artística e social, emprestando, hoje em dia, o nome para denominar outras revoluções, outras celebrações. No entanto, Movida só há uma, e carrega uma importância ímpar: Espanha deve-lhe, queira-se reconhecê-lo ou não, a joie de vivre que construiu um novo país.