MADRID ME MATA
Com a morte de Francisco Franco, encerrou-se uma ditadura de quarenta anos que manteve Espanha de costas para o mundo, oprimida e a preto e branco.
Talvez por isso, durante a transição do país para a democracia, Madrid começou a ser um viveiro de ideias, um frenesim sexual que desencadeou uma contracultura jovem. Uma juventude que atingiu a maioridade em total liberdade, ansiosa por viver e desfrutar da vida, mas, acima de tudo, uma juventude ansiosa por criar. Assim nasceu a Movida Madrilenha.
Todas as artes foram viradas de cabeça para baixo, todas as disciplinas deram uma guinada, reinventaram-se e revitalizaram-se: a música e o cinema tiveram uma era dourada — com nomes como Pedro Almodóvar, o nome mais estabelecido da Movida.
Mas também na fotografia, na arte e cultura gráfica — com fanzines lendários e publicações como Madrid Me Mata, Madriz ou La Luna de Madrid — a cultura floresceu assim que provou a liberdade.
CRONOLOGIA
Entender a Movida passa por entender o país que deixou para trás e o país que criou, no que foi a mais significativa ode à liberdade que Espanha já produziu.
Francisco Franco Bahamonde submeteu um país inteiro ao medo e ao silêncio durante 36 anos, numa das ditaduras mais duras e longevas de toda a Europa.
Porém, após a sua morte, a 20 de novembro de 1975, tudo o que construíra desapareceria em menos de uma década.
1936 — 1939
GUERRA CIVIL ESPANHOLA
Após um golpe de Estado liderado pelo General Francisco Franco Bahamonde contra o governo republicano, a 17 de julho de 1936, inicia-se uma sangrenta Guerra Civil, tida como ensaio para a II Guerra Mundial.
1939-1975
o regime
A 1 de abril de 1939, após três anos de luta fratricida, Francisco Franco anuncia a vitória do lado nacionalista e o fim da era republicana em Espanha.
Naquele dia, foi instaurado no país um novo sistema autoritário centrado no comando e na pessoa de Franco, que permaneceria no poder por mais de três décadas.
A repressão franquista
A ditadura franquista fez da repressão uma arma para defender os seus interesses.
Empregou a prisão, a tortura, o trabalho forçado, os assassinatos e as purgas contra os opositores políticos e qualquer pessoa percebida como uma ameaça ao regime como método habitual.
A CENSURA
Durante os 36 anos de poder de Franco, as “tesouras” do Estado eram sistemáticas e exigentes, cortando referências à guerra civil e à ditadura, juntamente com material explicitamente sexual e que contrariasse os rígidos valores católicos do regime.
O CATOLICISMO
Franco aliou-se à alta hierarquia eclesiástica, obteve o apoio do Papa e proclamou-se enviado por Deus para salvar Espanha.
LEI DE SUCESSÃO
Em 1947, promulga-se a Lei de Sucessão na Chefia do Estado, que estabelece Franco como chefe de Estado vitalício e uma sucessão designada pelo próprio.
1939-1975
Morte de Franco
A 20 de novembro de 1975, a informação ficou reduzida a uma única notícia: Francisco Franco falecera.
A partir desse momento, iniciou-se um complexo processo político: começou a Transição, que deixou para trás o regime ditatorial franquista e avançou para um Estado de direito democrático e social.
A TRANSIÇÃO
A Transição envolveu importantes mudanças políticas, sociais e económicas, com reformas legislativas que desmantelaram gradualmente as estruturas do regime de Franco.
Houve um consenso entre as principais forças políticas para levar a cabo estas mudanças de forma pacífica e consensual.
1975
Juan Carlos I torna-se rei
Juan Carlos ascende ao poder como herdeiro de Franco porque este, a 23 de julho de 1969, o designa como seu sucessor.
O rei ascende ao trono a 22 de novembro de 1975 e marca o início da Transição, durante a qual desempenhou um papel fundamental na consolidação do sistema democrático no país.
Lei para a Reforma Política
A Lei para a Reforma Política, aprovada em 1976, marcou o início da transição da ditadura para um sistema democrático, legalizando partidos políticos e permitindo a convocação de eleições gerais democráticas.
Primeiras eleições democráticas
As primeiras eleições foram realizadas a 15 de junho de 1977. A participação foi de 78,7% e o grande vencedor foi a UCD, com 34% dos votos.
Aprovação da Constituição
A 31 de outubro de 1978, a Constituição Espanhola foi aprovada pelas Cortes.
A 6 de dezembro, foi realizado um referendo nacional, no qual 87,7% dos eleitores a aprovaram, instituindo uma ruptura jurídica e institucional entre a Espanha franquista e a Espanha democrática.
1981
Intentona 23-f
O "23-F" foi uma tentativa de golpe de Estado liderada pelo tenente-coronel Antonio Tejero, a 23 de fevereiro de 1981, que tentou pôr fim à transição democrática. Ocorreu num momento de profunda crise política e económica.
Tejero invadiu o Congresso dos Deputados com um pelotão da Guarda Civil durante uma votação parlamentar. O rei pronunciou-se totalmente contra o golpe, o que pôs fim à hesitação dos militares em aderir, ou não, ao mesmo. Os insurgentes foram presos, e o povo saiu às ruas em apoio à democracia a 27 de fevereiro.
1982
Consolidação da Transição
O partido que governava em 1981, a UCD, debateu-se com fortes dissidências internas. Calvo Sotelo, presidente na altura, dissolveu as Cortes em agosto de 1982 e novas eleições legislativas foram realizadas a 28 de outubro.
Os socialistas saíram vitoriosos, com 46% dos votos, marcando o fim da Transição com a normalização da democratização: a alternância política é um dos critérios de funcionamento das democracias.
A MOVIDA
“Vínhamos de um momento histórico de muita paralisação, medo, injustiças, censura, complexos, silêncio. Foram tempos de ilusão, impulso e coragem por parte de uma sociedade maioritária que desejava encaminhar-se para essa liberdade, experimentar e viver.”
— SARA MORALES, ESCRITORA
sólo se vive una vez
“Não éramos um movimento artístico, não éramos um grupo com uma ideologia concreta”, disse Pedro Almodóvar em retrospectiva. “Éramos apenas um grupo de pessoas que coincidiu com um momento explosivo”.
“A porta da jaula foi aberta e todos saímos”, disse a emblemática fotógrafa Ouke Leele. Esse caos espalhou-se pela moda de rua e pela fotografia, pelos cartoonistas e muralistas, pela crescente comunidade queer e pelo florescente comércio de drogas, proclamando também a liberdade sexual e a venda de contraceptivos.
1980-82
INÍCIOS DA MOVIDA
As práticas do regime militar sancionado pela Igreja persistiram depois de Franco.
A homossexualidade só foi descriminalizada em 1979. As mulheres espanholas estavam sujeitas a um toque de recolher patrício, que as afastava de ruas e bares. A Guarda Civil ainda podia dispersar qualquer reunião de mais de três pessoas e deter qualquer pessoa cuja aparência lhe desse o mais frágil pretexto.
A Movida veio revolucionar completamente um país que estranhava a nova liberdade.
MALASAÑA
O bairro de Malasaña era o centro deste pequeno universo onde artistas de todos os tipos se encontravam e trocavam ideias em liberdade.
Músicos, cineastas, pintores, designers, fotógrafos e escritores frequentavam lugares como o Pentagrama ou a Via Lactea e, principalmente, o RockOla: uma sala de concertos multifuncional onde também se recitava poesia e se realizavam desfiles de moda míticos.
1980
CONCIERTO HOMENAJE A CANITO
A 9 de fevereiro de 1980, um grupo de jovens punks organizou um concerto gratuito no Politécnico de Madrid. Quarenta anos depois, aquela noite é lembrada como o evento que lançou a Movida.
O concerto foi montado como uma homenagem rock'n'roll a José Cano, baterista da banda Tos, morto num acidente de carro. Os seus companheiros de banda convidaram amigos para tocar, incluindo Nacha Pop e Alaska y los Pegamoides, cuja líder se tornaria no maior ícone da Movida.
Nenhum deles parecia um bom católico: as suas canções eram insolentes, anti-românticas e agressivamente seculares.
A sua sonoridade, tanto em volume como em cor, contrastava enormemente com o cinza do regime de Franco.
1981
CONCERTO de primavera
Um dos momentos altos da Movida Madrilenha foi a 23 de maio de 1981, quando os alunos da Escola Técnica Superior de Arquitetura de Madrid organizam o "Concierto de Primavera". Mais de 15.000 pessoas presenciam o festival de mais de oito horas de duração em que participam Farenheit 451, Alaska y los Pegamoides, Flash Strato, Los Modelos, Tótem, Rubi y los Casinos, Mamá, Los Secretos e Nacha Pop.
1976
Abertura da icónica discoteca Penta.
1980
“Enamorado de la Moda Juvenil” (Radio Futura), “La chica de ayer” (Nacha Pop), “Groenlandia” (Los Zombies) y “Mari Pili” (Ejecutivos Agresivos) chegam ao top de vendas.
Começam a publicar-se duas fanzines muito importantes: "96 Lágrimas" e "Lollipop".
1981
Inaugura-se em Malasaña o clube RockOla, onde atuará a maioria dos grupos espanhóis.
Fundação da revista "La Luna de Madrid", que se converte numa referência cultural do movimento.
Carlos Berlenga abandona Los Pegamoides e Herminio Molero deixa os Radio Futura.
Desfile no Museu Espanhol de Arte Contemporânea onde participa, entre outros, Agatha Ruiz de la Prada.
1982
Estreia do filme "Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montón", o primeiro de Pedro Almodóvar e ícone da Movida, altamente controverso pelos temas taboo que aborda.
Alaska y los Pegamoides lançam o seu primeiro e único álbum, seu homónimo, antes de se separarem. Dão o seu concerto de despedida na Escuela de Caminos.
No RockOla, apresenta-se o grupo remodelado: Alaska y Dinarama.
1983-85
A MOVIDA afirma-se
A Movida começou a tornar-se visível e passou de fanzines para revistas sérias, de programas de rádio clandestinos à Radio Nacional de Espanha, dos discos DIY aos contratos com gravadoras. De repente, a Movida estava em todo o lado e alcançou até o maior meio: a televisão.
1983
Inauguram-se as salas El Salero e La Fiesta com um concurso de striptease organizado pela revista La Luna.
O programa de rádio Diario Pop celebra a sua primeira festa anual com Aviador Dro, Décima Víctima, Siniestro Total, Alaska y Los Pegamoides, Radio Futura e Derribos Arias.
1984
Saem os álbuns “La Ley del Desierto” (Radio Futura), “Cuatro Rosas” (Gabinete Caligari) e “Deseo Carnal” (Alaska y Dinarama).
Nasce a revista "Madrid me Mata", dirigida por Oscar Mariné.
1985-86
o fim DA MOVIDA
O tempo voou até 1985, quando os artistas que representavam esta época dourada alcançaram o êxito comercial.
A música era já mainstream e o cinema de Pedro Almodóvar um ícone para a nova cultura de Espanha, pelo que a Movida se converteu em marca comum e foi desvanecendo.
1985
Fecha o RockOla, considerado a catedral da Movida, quando se dá uma luta que termina em assessinato.
Celebra-se a Festa do Estudante com um concerto de 24 horas de duração e 48 grupos. A televisão espanhola transmite tudo em directo.
Alaska vende mais de meio milhão de exemplares do álbum “Deseo Carnal”.
Sai o LP “Hombres G”, do grupo homónimo.
Revistas como a Rolling Stone ou o New York Times dedicam amplas reportagens à Movida, fazendo eco do renascimento da cultura espanhola.
Pablo Pérez Mínguez, grande fotógrafo da Movida, apresenta na Galería Sen a sua exposição “Fotobsesión”.
Na moda, acontece um desfile de Francis Montesinos com Pedro Almodóvar e outros ícones da Movida como modelos.